Hoje falaremos de um tema muito polêmico, os contratos de locação em tempos de covid-19. Suas possíveis implicações e soluções para a situação enfrentada por locadores e locatários, para contratos de locação comercial, de atividades que foram proibidos de funcionar e contratos comerciais de estabelecimentos que mesmo não tendo sido impedidos de funcionar, foram afetados com a crise.
Exercendo a função social da advocacia, que é ajudar pessoas a solucionar conflitos, segue meu posicionamento sobre o tema:
A Covid-19 traz variação de inflação, variação cambial e desvalorização do padrão monetário. Com consequências graves de cunho pessoal e financeiro, jamais previstos, o que causou grande movimentação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para apresentação de medidas em caráter de emergência para o enfrentamento dos impactos desta pandemia no país.
Ressalto que a situação é global, com os efeitos avassaladores, até mesmo nas grandes economias mundiais. E pior, sem previsão para término!
Em nossa legislação não há, especificamente, nada sobre o tema, há poucas decisões publicadas, assim ainda, não temos um reexame do esboço postulado sobre o assunto de jurisprudência majoritária. O que nos norteia, além das pouquíssimas liminares já concedidas, é Código Civil e nossa Constituição Federal. Portanto, a mim, como operadora do direito, venho por meio de estudos técnicos me posicionar sobre o assunto.
Pois bem, a meu ver, precisamos entender que temos uma lei especial, que é a lei do inquilinato, mas podemos aplicar o Código Civil e a Constituição Federal, para situações anormais. Assim, devemos pontuar que cada contrato é um contrato, e precisam ser analisados individualmente, levando sempre em consideração a função social e a boa-fé contratual.
Como estamos diante de um evento imprevisível, que impacta nas negociações privadas, desequilibrando a atividade empresarial, acarreta-se, uma sobrecarga e inviabiliza o cumprimento das prestações obrigacionais inicialmente entabuladas entre as partes. Que é basicamente uma excludente, dos efeitos do inadimplemento.
Para tanto, podemos aplicar a teoria da imprevisibilidade e os artigos, 317, 393, 478, 479 e 480, todos do Código Civil Brasileiro, vejamos:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Há, cristalinamente, onerosidade excessiva ao locatário. Chega a ser injusto e imoral aproveitar um contraente, de circunstâncias que para o outro ou para ambos, eram imprevisíveis no momento do contrato.
A meu ver, a teoria da imprevisibilidade, vem de encontro ao princípio da boa-fé contratual. Devemos analisar os dois lados da relação contratual, e manter o equilíbrio, para que não haja ônus excessivo para uma das partes.
O estudioso doutrinador, Orlando Gomes, já havia, anteriormente, feito as seguintes considerações: “(…) quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando consequências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito (…)”.
O Judiciário já vem sendo acionado para dar uma resposta ao pleito de inúmeras empresas que desejam se ver isentas ou, ao menos, obter a suspensão ou redução dos valores locatícios.
Em recente decisão liminar (02/04/2020), sendo a primeira decisão, proferida pelo Juiz Fernando Henrique de Oliveira Biolcati, da 22ª Vara Cível de São Paulo, concedeu liminar para reduzir o valor do aluguel pago por um restaurante em virtude da epidemia da Covid-19 no Brasil.
Para tanto, o magistrado considerou que houve redução das atividades e dos rendimentos do estabelecimento, o que autoriza o pagamento de apenas 30% do valor original do aluguel, enquanto durar a crise. Em sua decisão, o magistrado citou o Decreto Estadual nº 64.881/2020 que, no artigo 2º, inciso II, proíbe a abertura ao público das atividades de restaurante, resultando numa queda abrupta nos rendimentos da autora. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site do TJSP (1026645-41.2020.8.26.0100).
O desembargador Eustáquio de Castro, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, levando em consideração a situação econômica em meio à crise do coronavírus, determinou a redução do valor do aluguel de um escritório de advocacia, num percentual de 35%, referente aos meses de março, abril e maio de 2020. Processo sob o n° 0707596-27.2020.8.07.0000.
A juíza Cláudia Coimbra Alves, da 11ª Vara Cível de Belo Horizonte, determinou a suspensão de 50% do aluguel e condomínio, e 100% do fundo propaganda pago por lojistas de um shopping de Minas Gerais, A íntegra da decisão pode ser encontrada no site do TJMG sob o n° 5050463-48.2020.8.13.0024.
O magistrado Júlio Roberto dos Reis, num pedido de tutela cautelar antecedente junto à 25ª Vara Cível de Brasília deferiu, em parte, o pedido de um lojista para permitir a suspensão do aluguel mínimo e do fundo de promoção e propaganda. Ao não conceder integralmente a suspensão de todos os pagamentos solicitados pelo lojista, o magistrado afirma que “se todas as empresas e pessoas agirem como quer a empresa autora, será a vitória do egoísmo e do salve-se quem puder. Não há como simplesmente parar de adimplir as obrigações”. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site do TJDFT (0709038-25.2020.8.07.0001).
Se você está passando por conflitos no segmento de locações, reflita estas decisões e haja com bom senso neste momento.
Concluo aqui, alertando que as decisões provisórias já proferidas, norteiam o caminho a seguir, e demonstram a necessidade de revisão dos valores devidos a título de aluguel diante da pandemia por Covid-19.
Por Elisangela Campos Batista Soares, advogada, professora, palestrante, pós-graduada em Direito Público | Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho | Pós-Graduanda em Direito Negocial e Imobiliário. Instagram e Facebook – “camposadvogadas”, inscreva-se no nosso canal no Youtube- “grupo ca”.
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