Todo mundo já considerou estranha a “coincidência” de ver nas redes sociais exatamente o tema que estava conversando com os amigos. Tem até a situação mais bizarra ainda de quando elas praticamente “adivinham” o estamos cogitando comprar. Mas você já parou para pensar como esse conteúdo chega até você? O novo documentário da Netflix, O Dilema das Redes, mostra que o acaso não existe e as plataformas das Big Techs têm sido usadas para prever o comportamento humano e impulsionar mudanças – de preferência aquelas que dão mais lucro.
“Se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”
Tristan Harris, ex-designer do Google, citando uma máxima das empresas de internet.
O problema sem nome
Lançado este ano, o documentário (1h34m) reúne ex-funcionários e executivos de empresas como Google, Facebook e Twitter para falar sobre os perigos causados pelas redes sociais. A produção, dirigida por Jeff Orlowski, toca em temas sensíveis vividos atualmente, como a polarização política. E, ao mesmo tempo, joga um pouco de luz sobre os bastidores das grandes empresas de tecnologia.
Especialistas em tecnologia, como Tristan Harris, ex-designer do Google, e Tim Kendall, ex-diretor de monetização do Facebook, contam sobre sua participação nas plataformas e como se depararam com um “outro lado da moeda”. O modelo de negócios baseado em publicidade e lucros crescentes e a falta de regulamentação dessas mídias se contrapõem às incríveis possibilidades que surgiram das inovações tecnológicas.
Ao serem perguntados “qual é o problema das redes sociais?”, os funcionários reagem entre silêncio e risos nervosos. É nesse momento que o documentário deixa claro que o dilema é muito mais complexo do que imaginamos. E envolve até riscos para a democracia. “O Dilema das Redes”: por que assistir ao novo documentário da Netflix.
5 temas de debate
- Disputa pela atenção do usuário
O vício nas redes sociais não é um assunto novo. Mas o documentário se propõe a explicar como cada característica das plataformas foi pensada para tornar o seu uso viciante. Desde a escolha das cores até a organização de informações, tudo contribui para um ambiente virtual que nos leva a passar cada vez mais horas olhando para a tela do celular. O motivo? As redes sociais precisam da nossa atenção. Quanto mais tempo um usuário passa dentro do Instagram, por exemplo, mais exposto a anúncios e produtos que podem ser consumidos.
- Modelo de monetização
Os executivos afirmam que precisamos estar atentos à gratuidade dos aplicativos de redes sociais. Não há almoço grátis, já dizia o ditado. E, na verdade, os aplicativos são mantidos por anunciantes, cujo objetivo é alcançar pessoas dispostas a pagarem por suas mercadorias. Portanto, a nossa atenção é o verdadeiro produto da qual as big techs dispõem.
As redes sociais são o caminho mais fácil para atingir consumidores. E essas multinacionais de tecnologia vendem para os anunciantes a certeza de que sua publicidade terá sucesso, ou seja, que os ads irão sempre gerar lucro. Mas como controlar o resultado de um anúncio que será veiculado para milhões de pessoas?
- Monitoramento constante
Ao usarmos as redes sociais, estamos, o tempo todo, fornecendo dados sobre quem somos à plataforma. Isso significa que, além de entregarmos dados básicos como nosso nome, idade e e-mail, também criamos um histórico do nosso comportamento on e offline. Alguns aplicativos, por exemplo, têm acesso à nossa geolocalização. Dessa forma, o app consegue saber quais lugares frequentamos e quais pessoas estão ao nosso redor.
Além disso, de acordo com Jeff Seibert, que trabalhou no Twitter, “cada ação que você realiza é cuidadosamente monitorada e registrada”. Desde as imagens que gostamos de até quanto tempo olhamos para elas. A partir dessas informações, desenvolve-se o “capitalismo da vigilância”. Com os algoritmos e a inteligência artificial, as plataformas têm, hoje, mais informação sobre nós do que jamais se imaginou na história humana (às vezes até mais do que nós mesmos!).
- Tecnologia persuasiva
Essa é uma técnica de design amplamente usada nas redes sociais, que baseia a tecnologia no conhecimento psicológico do comportamento humano. O objetivo é criar um hábito inconsciente que nos mantenha ansiosos para consumirmos, no caso das redes socais, o conteúdo que parece infinito. De acordo com Tristan Harris, essa técnica é chamada de “reforço positivo intermitente”, em Psicologia. E, como consequência final, ele gera uma mudança gradativa de comportamento dos usuários, que se sentirão dependentes do uso das plataformas.
- Realidades personalizadas
Para conseguir que passemos cada vez mais tempo nas redes, as plataformas digitais perceberam uma coisa: precisam nos convencer a continuar ali. Ao navegarmos digitalmente, percebemos que todo o conteúdo disponível é exatamente aquilo que procuramos. Ideias, opiniões e produtos que aparecem no nosso feed são pensados e recomendados especialmente para nós. Apesar de nos sentirmos confortáveis nesse ambiente onde concordamos com tudo, ele gera a conhecida “bolha” de informação. Os usuários raramente têm acesso a uma opinião diferente da sua. E, ao final, entramos em um universo onde o que pensamos torna-se a única realidade possível, nos afastando uns dos outros. O documentário aponta a intolerância e a extrema polarização política como as consequências mais claras desse efeito. E, sem um consenso em torno do que é verdade, de uma base comum de informações, fica difícil manter o equilíbrio democrático. O documentário menciona a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que teria sido influenciada pela Rússia, e fala rapidamente da ascensão de líderes populistas que dominaram as redes sociais, entre eles o brasileiro Jair Bolsonaro.